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Um ensaio sobre respeito e não-violência numa relação a dois

Quando alguém diz “você me desrespeitou” ou “isso é falta de respeito”, já imaginamos as possibilidades de reação na continuação desse diálogo. Um certo desânimo e tédio me assolam ao imaginar a cena.

Essas falas me sugerem no seu subtexto que existe algo que todos concordamos e aceitamos, e que significa o que é respeitar o outro. Um pressuposto claro que eu deveria saber. Algo estático, uniforme e consensual para toda a espécie. Para alguns atos parece claro (como colocar um revólver na cabeça de alguém), mas na maioria das escolhas do dia-a-dia isso é anti-humano, já que mesmo gêmeos univitelinos não têm nada de idênticos no quesito emocional. O que é respeito para mim hoje pode ser diferente do que é respeito para você hoje (e amanhã tudo pode mudar!). As falas acima, também sugerem que o que fiz teve a intenção premeditada de prejudicar o outro. E quando escuto esse julgamento nas entrelinhas é bem fácil entrar naquele porão escuro da desconexão.

Incrível como esse jogo pega forte nas relações de casal!! Existe um pressuposto que é “o outro sabe o que me respeita e o que me desrespeita e me amar significa fazer aquilo que me respeita.”

Lindo!  Mas porque não funciona bem assim?

Princípio #1: Todas as minhas (e suas) ações são movidas por necessidades, pela vida pulando lá dentro buscando plenitude. Quando escolho fazer algo, primeiro sou movida para cuidar de mim. Em seguida, olho para o meio externo e naquele momento parece ok usar minha estratégia preferida. Nem sempre consigo contemplar todas as consequências das minhas escolhas, porque a vida, às vezes, pula e transborda de um jeito que preciso “correr” para dar conta dessa pulsão interna. Xiii… e algumas vezes (talvez, muitas!) meu radar relacional não deu conta de considerar se o outro ficava descuidado com minha escolha. Pronto o circo está armado. A guerra declarada. Culpa e vergonha, ataque e defesa invadindo cada canto da relação. Punições são comuns nessa cena também!

Pausa, respira. O radar reconhece a perda da conexão e se lembra como é gostoso quando nos escutamos. “Amor, quero te contar o que estava vivo aqui dentro quando escolhi fazer aquilo!” … é um caminho possível para ampliar a escuta e redirecionar o barco para a conexão.

Princípio #2: Nada que fazemos tem como objetivo prejudicar o outro. Ah! Mas isso é o mundo de Alice (aquela do país das maravilhas)..é o que mais escuto por aí. “Tem gente que se vinga e quer me prejudicar.” Ouço isso com frequência também. Marshall Rosenberg (EUA) disse: “toda violência é a expressão trágica de necessidades não atendidas!” Assim, a vingança é uma estratégia trágica para atender uma necessidade de justiça, talvez, ou de equivalência, paz, conforto. Só que… quando escolho uma estratégia trágica (aquela que decididamente só cuida de mim e claramente tem como consequência o outro ficar descuidado) o círculo vicioso da violência está sendo alimentado e reforço a crença de que seres-humanos são maldosos. O mais interessante é que aquele que usou de uma estratégia trágica para conseguir algo, não fica integralmente satisfeito com o desfecho. Mesmo vendo o sofrimento do outro.

Então, a gente é bom mesmo, temos uma natureza empática e compassiva (a ciência está comprovando isso), queremos o bem-estar de todos e precisamos aprender a cuidar melhor de nós mesmos, vencendo o medo de parecer egoístas. Que tal na próxima vez que se sentir descuidado(a), contar para a outra pessoa? Movido(a) pela crença de que ela não sabia e agora conhece mais o que são seus limites e preferências, aumentando as chances das próximas escolhas contemplarem a ele(a) e a você também! Voilá!!!

Então um dos becos sem saída das relações (familiares e amorosas-sexuais, principalmente) é eu achar que o outro deveria saber o que me respeita e o que me desrespeita, mesmo que eu não tenha dito explicitamente. E esse pressuposto queremos desafiar!

Não tem fórmula mágica para a (re)conexão quando a ponte está danificada. Ainda assim, tem uma trilha que tenho pesquisado com os casais que acompanho e no imersivo do Terra Luminous LabCNV: Sexo & Conexão, que é mais ou menos assim:

  •           Escutar, escutar e escutar… com esse ouvido do coração que acredita que o outro não fez aquilo para me prejudicar. Escutar procurando a verdade do outro, aquilo que era mais precioso para ele cuidar quando fez ou falou o que me incomodou. Atravessar esse paredão de julgamentos para chegar na humanidade compartilhada que habita o outro também. Contar o que escuto do outro, sem precisar acertar, apenas para me esticar em sua direção, nessa busca do que é comum a nós.
  •       Contar como me sinto quando tais necessidades não ficam atendidas. Me vulnerabilizo e assim o outro me enxerga melhor. Quando digo para o outro o que ele deveria fazer se fosse realmente um “bom marido ou namorado” um tsunami de culpa invade o campo e a desconexão só aumenta. Então quero dizer como me sinto e não o que eu penso sobre o que o outro fez!
  •       Cada um é responsável pelos seus sentimentos. Ninguém tem o poder de magoar o outro. Sim, numa relação estamos tão próximos que minhas ações podem ter consequências desagradáveis no outro, e assim, podemos ser co-responsáveis. Dessa forma, quando me vulnerabilizo, associo um sentimento à uma necessidade minha que não fica atendida… porque eu sou a principal pessoa responsável por cuidar de mim!
  •       Contar o que é importante para mim e checar como o outro escutou, mesmo que pareça óbvio, pois só assim ele pode saber como me ajudar a ficar bem cuidado. Checar perguntando “o que vc escutou que acabei de dizer?” é uma chave central para a porta da conexão!
  •            Fazer pedidos claros, fundamentados nas necessidades que valorizo mais nesse momento e checar as consequências que têm para o outro aceitar meu pedido (aqui está uma outra chave para o pedido não virar uma exigência e ser mesmo ganha-ganha).

Nossas relações amorosas-sexuais-românticas merecem uma chance de se renovar na sua base, quebrando o círculo vicioso das relações tóxicas que vimos de nossos pais, tios, avós, vizinhos e por aí vai. Por que afinal de contas o que é o amor se não for a verdade, o cuidado e a conexão?

Por Fabiana Maia (Maio, 2016)

Fabi Maia é psicóloga e atende indivíduos e casais em psicoterapeuta, além de faciltiar cursos e retiros em transformação de conflitos, competência relacional e outros temas relacionados. Fabi pesquisa a CNV desde 2007 e tambem é cofundadora e presidente do Instituto Terra Luminous.

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