A renuncia do vício de concordar e discordar
Debater ideias é uma delícia! Adoro quando um tema polêmico está na mesa do jantar e pensamentos diferentes cruzam o ar como flechas que abrem minha perspectiva da vida. O mesmo prazer sinto quando brindo minhas companhias da noite com opiniões, informações, pesquisas que rasgam seus conceitos, iluminando a mente para uma nova direção.
E assim vamos até o momento em que alguém diz: “ Sua visão está equivocada. Essa informação não têm fundamento científico algum. Eu esperava que você tivesse mais profundidade e embasamento no que diz. É que você é do tipo esotérico, né?”
Pronto!
Quem toma o controle nesse momento é minha criança ferida. “Que cara mais ignorante, arrogante e petulante”, penso.
O muro de julgamentos está subindo. E lá vou eu:
“É que você vive na matrix, querido, serve como um soldado ao sistema. É difícil ver o mundo numa perspectiva mais sutil. Aqui a ciência é a observação e conexão com a natureza, o que você desconhece completamente.”
Tiroteio que todas as pessoas com mais de 4 anos de idade conhecem bem.
Esse é um típico jogo de perde-perde. Aparentemente, o placar de cada interação faz pensar que tem um ganhador. Ilusão.
Aprendi bem pequena que quanto mais informação eu tivesse, mais capacidade analítica e poder de defender minhas ideias mais eu ganharia o jogo das relações. Seria admirada como uma mulher inteligente, respeitada pela capacidade de argumentação e consequentemente mais escutada eu seria. Ilusão número 2!
No fundo eu precisava (e ainda preciso) de respeito, escuta, valorização, inclusão e por aí vai. Só que a estratégia condicionada era trágica. Eu até tinha a admiração de alguns, só me faltava a conexão.
Me via no esforço contínuo para que a outra pessoa concordasse sempre comigo. E invariavelmente ela concordava, muitas vezes vencida pelo cansaço. Enquanto (falo) escrevo, me dou conta que ainda escorrego nesse abismo de vez em quando, especialmente quando o assunto é política!
Sair dessa dicotomia viciada de concordar e discordar é uma chave de consciência que abre um campo de escuta muito precioso. A respiração muda. A energia que circula no ambiente muda.
E só consigo virar essa chave quando minha observadora interna está atenta aos sinas do meu corpo: ao batimento cardíaco acelerado, a respiração curta, ao tom e volume da minha voz, a fala que corta o outro.
Um bom sinal para captar que sentimentos e necessidades não-atendidas estão presentes também é a ironia, uma forma disfarçada e trágica de expressar os incômodos e bem presente no debate que relatei.
E nesse ponto é preciso interromper o debate. Largar o osso. Trazer para a presença o que está se passando na dimensão emocional e me expressar a partir desse “outro” lugar.
Como estou me sentindo? Checo no meio do barulho mental e expresso.
“Sabe, estou sentindo uma tensão no meu corpo agora. Percebo quantas vezes te interrompi e como minha voz reflete irritação. Parece que suas palavras acionaram um lugar difícil para mim, vejo que estou te atacando e me defendendo e nossa conexão está diminuindo. Como você escuta o que estou te dizendo agora?” ou talvez perguntar: “Você quer me dizer como está se sentindo agora com essa conversa?”
Não há garantias de sucesso, ainda que milhares de vezes experimentando essa interrupção, ao sinalizar o que está acontecendo a partir da lógica emocional, tem conduzido as conversas para um lugar relacional que permite emergir o subtexto do debate-tiroteio. Note que essa pausa veio com uma atualização de como eu estava, sem falar do que penso que está acontecendo com o outro ser. Me vulnerabilizar parece a saída mais inteligente para criar campo de escuta. É a tal da bandeira branca na prática.
Concordar e discordar funciona quando o campo racional está operando sem interferências do campo emocional da criança ferida, que tantas e tantos de nós carregamos na nossa psiquê.
Te convido para experimentar no próximo debate que você perder a conexão com alguém, escolher uma nova rota e trazer seu coração para a conversa!
Fabi Maia